quinta-feira, março 19, 2009

consciências


"A Liberdade nasce na consciência de cada Homem"

em "O homem do País azul" Manuel Alegre

Esta frase "deu-me" a Ângela do 10º ano



Agradeço à aluna a lembrança numa época em que a Integração nas Escolas é tema em debate.

Nestes assuntos, como noutros, a inconsciência dos factos torna-se perigosa e enganadora – quase ridícula!

A própria palavra integração trai-se relativamente ao conceito que hoje e agora a sociedade lhe atribui. Integrar quereria dizer aceitar o “outro”. Ora colocar o “outro”, o “diferente” no seio de uma cultura dominante (Foucault debruçou-se bastante sobre estes conceitos que se invertem) faz pressupor que o que integra prevalece sobre o que é integrado. Indo à semiótica da linguagem, os pragmatistas alertaram para o efeito culturalizante e colonizador (das palavras e do texto e da cultura - como Roland Barthes a partir dos anos 50).
“Só compreenderemos o outro se formos o outro”. Se eu for o outro sinto as circunstâncias do outro e saberei entender o que é ser “estrangeiro” (teoria pragmatista).

Ana Benavente foi uma convicta adepta da integração após os estudos que efectuou e redigiu entre os anos 80 e 90 e depois já no novo milénio. E efectivamente muitos projectos foram efectivados mediante as expectativas criadas então em bairros problemáticos dos subúrbios das cidades:
Um deles foi o "Projecto de Reedificação do Bairro de Cerco do Porto" documentado na colecção "Aprendizagens em movimento" e que teve uma equipa de voluntários técnicos, arquitectos, artistas, sociólogos, psicólogos, professores e moradores locais e o apoio camarário. Esta intervenção foi realizada em 97/98 e teve um impacto significativo nos habitantes do bairro. Passada mais de uma década, a Escola é protagonista de uma triste história transmitida nos média e na net. Vi no noticiário da TV o trabalho que marcou o projecto em desgaste rápido. Mas isso não retira enriquecimento ao projecto nem a outros que foram desenvolvidos com o tempo, a disponibilidade e capacidade solidária de então.
MAS,

quem experimentou a “Integração” à “la carte” portuguesa, conhece os obstáculos, as dificuldades, as armadilhas que uma ideia cheia de boas intenções provoca. Dá com uma mão e tira com a outra.

Na verdade, alguns projectos singulares estabeleceram acordos com Associações e IPSS (s) promotoras do apoio a cidadãos mais desfavorecidos e outros portadores de deficiências.

Conheci também, de perto, casos em que as Escolas (anos 80) estabeleciam parcerias com as Instituições de apoio e os garotos com dificuldades de integração social e de aprendizagem eram acompanhados nas Instituições com pessoal especializado. Sei dos casos de sucesso mais dos que de insucesso. Mas aí os alunos apenas frequentavam na Escola algumas disciplinas protocoladas com a Instituição.

Ora assistimos hoje à procura de descreditação dessas Instituições que tanto trabalho deram a equipas de voluntariado (caso das Cercis – pirilampo mágico por exemplo) e que estão devidamente equipadas (em pessoal, acessibilidades, apoios médicos e arquitectura), estruturadas e formuladas para o apoio social às famílias e utentes portadores de deficiência.

Outras há cujo trabalho incide na Integração de jovens de outras etnias e raças, preparados que estão para as diferenças culturais de jovens oriundos de países com culturas tão marcantes, ou de etnias cuja cultura, por ser tão estruturada, dificulta o trabalho de acesso até aos rituais de sociabilização entre eles próprios (casamentos, proibição das meninas frequentarem a escolaridade após os 10 anos, nomadismo, etc.). Essas Instituições ou Associações têm tido um significado ímpar e de elevado desgaste pessoal na sociedade portuguesa pelo trabalho e empenho que desenvolvem na compreensão de outras formas de estar, agir e reagir.

Apesar do fraco apoio (logístico, financeiro, ministerial) de que dispõem, muito embora a “propaganda” seja outra, procuram aceder ao compromisso com os cidadãos mais carenciados, inclusive a velhice e a solidão que a acompanha, esclarecimento às acessibilidades e possibilidades legais de protecção social, etc.

Deste modo têm potenciado a valoração dos indivíduos, a percepção dos cuidados básicos de higiene, saúde, prevenção da maternidade precoce ou involuntária, marginalização versus activismo cooperante, etc.

Mais do que qualquer Escola deste País, entendem as dificuldades com que se deparam.

No caso das deficiências, e nenhuma família está livre disso (conheço casos de pessoas perfeitamente “normais” que após um AVCs, ou um acidente rodoviário perderam a autonomia) e, tenho a certeza que nenhuma delas (pessoas e família) desejaria “integrar-se” numa Escola (como a minha por exemplo) onde nem um balneário adequado a uma cadeira de rodas existe, quanto mais pessoal preparado para a limpeza e higienização pessoal, sem falar de outras realidades que só quem por lá passa saberá.
(inclusivé o abandono dos pais, não suportando a dificuldade de ter procriado um/a filho/a com deficiência, remetendo para as mães todo o encargo, que não é pouco. As estatísticas que fidelizam esta afirmação estarão por aí, eu conheci casos-plurais).

Estamos a falar de DIGNIDADE!

Sejamos realistas: As Escolas estão impreparadas para qualquer tipo de experiência de integração. A não ser que a ideia seja fazer “sabão” (como nas experiências laboratoriais dos campos de concentração nazis) e EXCLUIR quem possa pagar a escolaridade em Escolas do Sector Privado.

Por muito fascinante que seja a ideia eu (e acredito que qualquer outra pessoa que leia estas palavras) dispenso ter na minha aula (ou no meu escritório, ou na minha loja, ou no supermercado onde vou) um aluno com autismo profundo a bater com a cabeça nas paredes e a babar-se todo – porque é o que acontece – enquanto a restante turma "O" ou "A" integra nas “actividades” de uma sala de aula sem paredes almofadadas e lhe explicamos, ao mesmo tempo, como traçar rectas paralelas, ou quem foi o autor da arte cinética.

Seria MENTIRA da grande: mentira aos pais, mentira à Escola, mentira à sociedade, mentira ao indivíduo…É uma mentira!

É que eles CRESCEM como os outros! E depois?
Chamamos quem?
Ficarão eternamente nas Escolas ou serão certificados com a escolaridade básica baseada no sucesso educativo? Com acesso a tirarem a carta de condução? HUM?

Na compreensão da diferença poderemos ter a dignidade de participar e colaborar na integração de todos, nos locais e nos tempos adequados para a especificidade de cada um. Já é tão difícil ser diferente entre “iguais”. Já é ridículo alguém querer ser igual quando é diferente - e isto é já uma patologia por si só. Não é por quererem aceitação entre pares que se iniciam os "jogos de sedução" para a deliquência, experimentação de drogas, boolings e ademais MODAS sociais-socializantes nos comportamentos juvenis e humanos? Quereremos ser Pinguins? É que nunca vi um pinguim deficiente ou desigual. Devem ser abandonados ou morrem à nascença, não sei. Mais um menos um quem se importa? Seja como for são indiferenciados.


Curiosa esta notícia de 2002 que poderia quase ser a de hoje mudando/alternando os protagonistas e esta de Fevereiro de 2008 e isto e mais isto.
e acabo:::::::::::::::::::::::
Consciência e Dignidade::::::::::::::::::::
e armadilhas:::::::::::::::::::


Ficção de um indivíduo (algum Sr. Teste às avessas) que abolisse nele as barreiras, as classes, as exclusões, não por sincretismo, mas por simples remoção desse velho espectro: a contradição lógica; que misturasse todas as linguagens, ainda que fossem consideradas incompatíveis; que suportasse, mudo, todas as acusações de ilogismo, de infidelidade; que permanecesse impassível diante da ironia socrática (levar o outro ao supremo opróbrio: contradizer-se) e o terror legal (quantas provas penais baseadas numa psicologia da unidade!). Este homem seria a abjecção de nossa sociedade: os tribunais, a escola, o asilo, a conversação, convertê-lo-iam em um estrangeiro: quem suporta sem nenhuma vergonha a contradição? Ora este contra-herói existe: é o leitor de texto; (…)”

(“O prazer do texto”. 1987,pp. 6-7. Editora Perspectiva. S. Paulo)

ele é Roland Barthes e uma semiologia do impasse

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