domingo, setembro 17, 2006

Um texto deixado pela Helena Cabeleira que merece destaque:

"O incentivo ao trabalho tem sido geralmente entendido como a necessidade de sustento, e na nossa sociedade esse é efectivamente o único incentivo para os trabalhadores que produzem mercadorias com aspirações de algum modo artisticas, mas a verdade é que é impossivel que homens que trabalham nestas condições produzam obras de arte genuinas. Nessa medida, será preferivel que estas mercadorias abandonem qualquer pretensão artistica e que a arte seja restringida a assuntos sem qualquer função a desempenhar, excepto existir como obras de arte - tal como as telas, as esculturas e coisas semelhantes; ou em alternativa, que ao incentivo da necessidade se juntem os incentivos do prazer e do interesse no proprio trabalho.
È esta a minha teoria, e penso que, se pretendeis fazer algo mais do que falar sobre arte, as questões que levanta merecem uma atenção cuidada da vossa parte. Se apenas pretendeis falar sobre arte, podeis prescindir das obras de arte, perante a abundancia de belo fraseado inventado na actualidade e para todos os fins.
Colocando a questão de outra maneira, há três perguntas a fazer.
Em primeiro lugar, pretendemos produzir arquitectura e artes arquitectónicas sem termos a realidade em que se alicerçam? Em segundo lugar, deveremos abdicar delas porque perdemos a esperança de alcançar essa realidade ou porque não queremos saber dela? Ou, em terceiro lugar, estaremos nós determinados a construir essa realidade?
A adopção do primeiro plano demonstraria que éramos demasiado descuidados e que estávamos demasiado apressados nas nossas vidas para nos preocuparmos em saber se somos insensatos (tragicamente insensatos) ou não.
A adopção do segundo plano revelaria que eramos pessoas muito sinceras e determinadas a descartar o maior numero de responsabilidades possivel, mesmo que o preço fosse uma vida monotona e vazia. Se adoptarmos a terceira alternativa com sinceridade, aumentaremos a dose de responsabilidade e problemas nas nossas vidas, pelo menos durante algum tempo, mas também aumentaremos a nossa felicidade. Eu sou, portanto, a favor da adopção desta terceira alternativa.
Na realidade, apesar de vos ter apresentado a segunda alternativa - o que fiz em nome de uma aprência de justiça -, não me parece que, de momento, tenhamos a possibilidade de a adoptar, embora possamos ser levados a isso no final.
Hoje em dia julgo ser apenas possivel optar entre aceitar claramente a ilusão de uma arte que está em todo o lado, mas que, na realidade, apenas enche as paginas de publicidade e nada mais; ou lutar por uma arte que esteja realmente nas nossas vidas, fazendo-nos mais felizes."

(William Morris, "As Artes Menores",2003: 111-113)

1 comentário:

zemanel disse...

Construir a realidade, sempre.
Um texto que nos faz pensar...abana convicções, certezas. Mas optamos em construir a realidade.
Um abraço para si e para Helena Cabeleira.
( é bom reflectir sobre estas coisas, calmamente, mesmo sem conhecermos os nossos interlocutores. Parabéns pelo nível que trouxe à blogoesfera)