Quando os morangos aparecem no Inverno
Sustentabilidade e terra e educação e felicidade:
Quando era miúda tinha de esperar pela primavera para apreciar as cerejas, as nêsperas, os gelados de morango feitos pela tia Noémia. O tempo de espera era um tempo de ciclos que a terra impunha às gentes da terra.
Com a evolução tecnológica, a agricultura criou condições para a existência de morangos de Inverno, de Outono, de todo o ano. Acabou por contrariar os ciclos de espera, de expectativa, de dar lugar a outros frutos e legumes. Assim também a alimentação alterou o significado de se estar e de se ser. Perdeu-se o sabor do tempo dos morangos maduros, mas tem-se a patine da existência de uma coloração e tamanho redobrada, publicitária, manipulada.
Ao dar lugar a “um tempo sem tempo para se ter tempo” Eduardo Galeano (2005), perdeu-se a consciência da espera. O desejo é manifestado e o acesso é facilitado por qualquer cartão de crédito providencial. Por uma economia do desejo de acesso fácil e conveniente.
Saber esperar pelo tempo de gestação e maturação da natureza das coisas perdeu significado global.
Hoje, ao ter acesso às informações, fora do prazo que elas necessitam para maturarem o seu paladar, o seu sabor, a sua coloração natural, elas perdem a sua verdadeira natureza, o sabor da expectativa, a revelação de uma existência em tempo real e não artificial.
Do mesmo modo, a escola cria um universo paralelo, artificial. O conhecimento está lá todo para ser consumido empacotado e certificado.
“Chamem um especialista para saber se é amor o que sinto” canta Rui Veloso.
As mensagens aparecem na poesia através dos poetas, dos desenhos, nos documentários dos sábios...ou de risos e chorares...
Ao contrário dos especialistas que advertem para a necessidade de dar voz aos esquecidos, aos obliterados, aos marginalizados, Eduardo Galeano contesta que aqueles que “não têm voz” sempre tiveram voz:
Subversiva, feita visível nas paredes das ruas, nos sons cantados dos escravos, na poesia popular, nas danças e ritos dos menosprezados, no artesanato feito do silêncio mudo em cores vibrantes tornado visível, de emaranhadas tapeçarias tecidas no silêncio da paciência e na mudez da espera das mulheres, no barro moldado ao sabor da humidade e tempo de secagem necessária à consolidação da argila.
A voz dos que não têm voz é a inspiração dos que escutam. “Para não ser mudo é necessário saber escutar”. Depois é necessário lançar as sementes para a terra engravidar. Saber esperar, para que aquele que é suposto aprender, se prepare para sentir o desejo de aprender. Criar expectativa … com sabor a morangos.
A sustentabilidade, de que tanto se fala hoje nos discursos politicamente correctos, carece de sustentabilidade porque se esquece do respeito pelo tempo. Do respeito pela humanidade, do respeito pelo ser, do segredo para se ser feliz. Então a terra dá respostas, elas estão aí, aqui e em toda a parte, basta “escutar com os olhos e ver com os ouvidos”.
Morangos no inverno dão nuvens em Maio.
Simples.
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