A sedução da imagem é efémera, catalisa, impulsiona, mas se não tiver sumo ou corpo perde o brilho e a intensidade des-satura as cores e mostra, quase logo a seguir, o lado patético de antes, pior, intensifica-o pois provoca a sensação do logro. Qualquer aula-espaço para a Educação Artística e Visual possibilita (ou deve possibilitar) entender esse lugar. Compreender a ilusão como um espaço de conquista e não como um artefacto meramente decorativo que enmascara superfícies por um período de tempo determinado, enquanto o desgaste (se não houver essência) continua o seu trabalho interior de decadência camuflada.
Educadores para uma “Educação Visual”, além de tentar compreender, de forma crítica, a natureza ínfima da actividade visual humana, nas suas diversas manifestações, compreenderam essa natureza filosófica, antropológica, emocional, física das coisas, por isso participam na compreensão de que as criações, com finalidades de alguma permanência, imanência, transcendência e sentidos, na actualidade, têm de ter o desafio profundo de uma espécie de fé: acreditar no contributo para um mundo pessoal e social melhorado, harmonioso e fascinante. Aquilo a que poderíamos, se quiséssemos, chamar de felicidade. Mais que produtos criativos, facilitamos possibilidades de encontro com informações, registos, técnicas, subjectividades pessoais, históricas, emocionais, intelectuais, sociais e culturais. Essencialmente, cria-se o espaço para se ser quem se é e isso só pode ser uma criação feliz, além de ser, hoje, uma atitude política.
Desta outra maneira, acicata-se a ironia, a revolta, a hipocrisia e a decadência, o lado negro da espécie humana e fundamentam-se os sistemas de controlo, censura e vigilância, criados como antibiótico para esses males auto-imunes.
Pode-se sempre brincar às experiências e, os nossos políticos e governantes, impreparados na sua educação visual explícita e implícita, tornaram-se menin@s caprichos@s e cautelos@s, pois revelam a ausência desse saber maior e mais amplo. Usam a imagem, mas não a compreendem. Fica a pergunta: Como aprenderam Educação Visual? (mas isso reportaria a a pensar que espaços de análise e prática visual estamos, professor@ e educador@s a veincular nas nossas aulas).
Estranho é, que um País belo e extraordinário como Portugal, com gente capaz de “ler”, interpretar as realidades de forma ímpar, não insista numa educação profunda e séria a estes agentes de superfície sem uma visão. Antes, em micro e macro lugares de partilha, actividade e debate, apagam-se, calam-se, prime-se a tecla “delete” para os que ousam ser, pensar, dizer, fazer diferente, pior é se tem algum fundamento que incomoda, ou que melhor espelha o nosso lado contrafeito, a nossa vulnerabilidade (que nos habituámos a negar) exposta a nú. A pior censura é a que vem do lugar próximo. Assim, dizem-se lugares comuns e muitos reagem num uníssono que pressupõe atitude, mas que, na verdade apenas não deixa de ser um gesto de “Pavlov” lúdico, inconsequente e inútil…e fica o vazio característico das sociedades pós-modernas. Tome-se um comprimido e passa.
É também certo que tivemos 48 anos de analfabetismo e essa herança golpeia tributos mais amplos e sábios sobre como pode ser um País, uma nação ou um mundo, mas tivemos também uma história com gente que foi herói e heroína (mesmo de forma não visível e clandestina), uma revolução de flores e de música que nenhum outro País do Mundo poderá engalanar como exemplo. Essa é a nossa verdadeira publicidade, o nosso sumo, o nosso corpo e o nosso contributo para o mundo – transformar armas e sangue em flores, trigo em pão, uvas em vinho e palavras em mistério, música, poesia e sabedoria. Apenas com o resgate desse nosso património poderemos cumprir o destino, não o que está escrito, mas o que ousarmos escrever e isso é realizado em cada momento em que alguém, criança, adulto ou jovem, aprende a ser quem é, não apenas dentro de uma Escola, em casa, no jardim, no computador, na praia, no alimento diário, no supermercado, no laser, no café…em qualquer universo em que a visualidade (natural ou artificial) se revela…e isso implica a sonoridade, o toque e os sentidos, a emoção e o rigor “casados com comunhão geral de bens” (como diz o Mia Couto).
Podemos ter o lamento como uma cultura que cultivou poemas e fados, mas o discurso que penaliza não é nosso, é árido, não nos convence ou estimula, vem de fora de outras culturas com outra sapiência bem menos solar que, por um qualquer mistério, ou pela nossa capacidade de abraçar mundos, resolvemos idolatrar a certa altura da nossa história. Abrir a geografia económica, possibilitou também alargar possibilidades de trocas e culturas, mas impulsionou outra das nossas capacidades nacionais: a disposição para o, tão nosso, “xico-espertismo”, incentivando quem não se envolve, nem se compromete e melhor se aproveita, em benefício próprio, das lacunas e brechas de qualquer sistema, uma espécie de gente com vocação para ser vírus no hard e software, inutilizando recursos pessoais, humanos e materiais à sua passagem ou estada, desfertilizando solos e possibilidades. Outros, remoendo temores de intrigas, mau olhados e mau falados alheios, acossados no medo e na tragédia, um encolho que permite, aos primeiros, tomarem o lugar de déspotas ditadores lusitanos locais, temendo tanto quem os controla e aprisiona como os que se lançam. Tornámo-nos vítimas e fizemos vítimas e incompreensões.
Aos discursos políticos e sociológicos, falta essa cultura visual contemporânea que possibilita pensar “com isto que temos e somos, o que podemos fazer” ou “a partir daqui o que nos cabe criar”. Mas isso implica abrir o peito à atmosfera e respirar fundo e levantar o nariz ao céu e os olhos ao horizonte, tapar os ouvidos aos sussurros das gentes frias e do gelo quebrado facilmente ameaça, falar sem medo e acreditar, convidá-los a ver a nossa riqueza, partilhá-la até no degustar uma sardinhada à beira mar regada a azeite, um tinto ou branco alentejano e pão caseiro ou broa ainda quente, uma salada algarvia servida em prato de barro, uma ginjinha da tia Noémia, tirá-los dos gabinetes aquecidos com ar condicionado, com tudo condicionado, fazê-los caminhar descalços nas nossas praias com sol de inverno, apreciar um Júlio Pomar, um Almada e uma música de qualquer artista nacional que arrepie e aqueça, uma guitarra portuguesa pois sim, porque não?
Retirar do currículo nacional tempo horário para a educação visual e tecnológica, que poderia e deveria ser objecto de incentivo, dinâmica, reforço e até actualização e cuidado, é sinónimo de uma acefalia tremenda ou pior, de um projecto político que teme a informação cultural, científica, ética, moral, estética, tecnológica e humana dos cidadãos e cidadãs futur@s, negar-lhes acessos e possibilidades de êxtase e fascínio e encaminhá-los devagar para o universo alcoolizado da sua existência zumbi nas praças urbanas e de província. Ou ainda não repararam?
Esse analfabetismo, que qualquer discurso político de hoje faz evidência em Portugal, apenas nos revela a necessidade de reforçar esta área do conhecimento com maior afinco e empenho para um Portugal num mundo melhor. Isso é um compromisso profundo sem necessidade de juras, bíblias, leis ou assinaturas (o que alguém um dia determinou), como tudo o aquilo a que uns chamaram, um dia, de verdade, aquilo que os nossos avós chamaram, em tempos, honra e que o nosso tempo apela a que chamemos de amor, porque caminhar em direcção do que se cria exige responsabilidade maior, sem desculpas, nem culpados, mas revisão acerto e erro, pois não tem certo ou errado, porque é projecto.
“Experiências que permitam aos estudantes compreender como as imagens influem nos seus pensamentos, suas acções, seus sentimentos e a imaginação das suas identidades e histórias sociais” Fernando Hernández, citando Nancy Pauly (2003), (2007, pp.23). “Espigador@s de la Cultura visual - Otra narrativa para la educación de las artes visuales”. Octaedro. Barcelona.
Acreditem ou não, esse é o contributo da Educação Artística e foi antes de ser manipulada para responder a ideias economicistas de sucesso, excelência, ouro, prata e rankings educacionais (que apenas responderam a alguns “espertos” que aproveitaram as ondas das influências, que o acesso acrítico a alguma informação possibilitou e que foi dirigida como necessária, por isso, paga, por escolas e educador@s) e é ainda, pelos estudos lúcidos e actuais de autores que profetizam um lugar de aprendizagens diversas, produtivas, cultas, profundas, humanistas e sábias. Não é fácil fazer a apologia de uma Educação Artística em Portugal, quando a ignorância, insensibilidade e falta de criatividade é expressa de forma tão próxima aos nossos dirigentes políticos (e não só), mas é sempre responsabilidade de cada um fazer a diferença em cada pedacito de influência que lhe cabe ocupar e para isso, não precisamos do exemplo de ninguém que não nos leve evoluir, mas precisamos que todos sejam exemplo em cada pormenor da existência.
“(…)se imaginamos que a construção de uma instituição se assemelha a uma casa, seria preferível fazê-lo à maneira de Loos, não à de Wittgenstein. Em lugar de aspirar a criar algo completo e acabado de uma vez, haveria que construir uma estrutura provisória que começava com um esboço e fosse capaz de evoluir.(…) Haveria que comprometer-se com a dificuldade, o acidente, a limitação. (…) Saber-se-ia quando chegasse o momento de deter a construção da instituição, deixando questões por resolver (…). Deseja-se uma instituição viva, mas é impossível construir uma instituição assim com a pretensão inesgotável da perfeição; esta persecução, e Wittgenstein sabia-o, havia deixado a sua casa sem vida. Pelo contrário, a construção de uma escola, uma empresa ou uma carreira profissional à maneira de Loos teria como resultado uma instituição de grande qualidade social.” Richard Sennett (2010, pp. 323).“El Artesano” Anagrama. Colección Argumentos. Barcelona. (Adolf Loos, arquitecto).