quarta-feira, agosto 26, 2009

“Como Nós”.
António Lobo Antunes

"Espero por ti cá em baixo enquanto a paciência azul das ondas escreve o teu nome com gestos de alga na praia e um rosto de aguarela me fita, imóvel, de um segundo andar, de tal maneira real que decerto não existiu nunca um rosto tão espantado como o meu espanto de ninguém me responder se bato à porta da casa onde vivo e que me aperta os ombros como um casaco emprestado, espero por ti com a luzinha de um cigarro na língua a fim de que me reconheças na escuridão destas duas da tarde demasiado claras, espero por ti a tremer de não ter febre e despenteado pelo vento que não há, o cão afasta-se desiludido como tudo se afasta do meu corpo, mesmo a sombra enrodilhada de vergonha em torno dos sapatos e quando as sombras se envergonham de nós mais vale desistir, trancarmo-nos no quarto de banho e ficar a ver no espelho o rosto que não somos já, que não seremos mais, espero por ti a tremer como um namorado muito feio espera, à chuva, de crisântemos outonais na mão, a namorada também feia que se esqueceu dele, de nariz nas cortinas a assistir ao Domingo, espero por ti, e nisto o automóvel ancora no lancil e no banco traseiro, sozinha, o teu sorriso descobre-me e caminho ao teu encontro, a medo, de joelhos aflitos, para te explicar as girafas do Jardim Zoológico indiferentes ao estrondo dos altifalantes, tão ruidoso como o silêncio do meu amor por ti."

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