quarta-feira, janeiro 21, 2009

do incómodo dos outros

É Inverno,
Lecciono aulas de Artes (Desenho e Oficina de Artes) em salas despropositadamente geladas.
Os alunos e alunas são obrigados a suportar temperaturas que lhes impossibilitam o razoável aproveitamento do tempo escolar. Compreendo que os colegas e as colegas que utilizam as salas do edifício (velho e novo) da Escola, não tenham a compreensão do “outro” que lecciona nas velhas oficinas da Escola Maria Lamas.

As salas são feias, não possuem equipamento informático, são decoradas com um mobiliário sem qualquer tipo de utilidade, os trabalhos acumulam-se nas arrecadações exíguas…

Em inicio de ano lectivo, sempre que o tempo o permite e em concordância com os alunos e alunas, disponibilizo-me para dar aulas no espaço exterior, muitas vezes mais suportável em termos de temperatura do que o interior das salas que nos calha ocupar desde sempre.

Já apanhei pneumonias na sala destinada ao ensino da cerâmica, já suportei ver alunas e alunas, nos tempos lectivos, completamente encolhidos nos casacos sem, obviamente disponibilizarem as mãos para a realização dos trabalhos.

Como a massa adiposa não me emoldura os ossos, também eu me encolho perante o frio, mas como tenho trabalho para desenvolver procuro outras salas, normalmente indisponíveis, procuro a biblioteca, procuro o espaço do bar…procuro algum conforto para o trabalho dos meus alunos e alunas e para mim própria.

Acredito que muitos colegas aceitassem trabalhar manhãs e tardes e dias inteiros nas salas oficinais, mas eu não aceito!

Ao fim de 17 anos de ensino que pertenço a esta Escola e de, no meu passado aqui, ter referindo, explicando, replicando, procurando fazer entender que as salas não têm condições dignas de trabalho, criado projectos para o melhor aproveitamento, equipamento e dignificação das salas, recuso-me, sempre com a aprovação dos meus alunos, a ocupar o tempo que estamos juntos em salas tão pouco dignas da especificidade que ocupam no contexto escolar (salas de ARTES).

Acredito também que o ensino das Artes não se configura ao espaço interior de uma sala, por isso, desde que o trabalho se concretize, procuro sempre diferenciar, procurar locais de possível debate e criação de ideias.

O Bar é um local onde os meus alunos e alunas são vistos em aula. Nem sempre é interessante (para alguns) verificar que os alunos e alunas de Artes estão a trabalhar de forma autónoma e reflexiva num espaço destinado ao convívio. Na verdade, a observação diferenciada de grupos, pessoas e locais é de relevante importância no ensino das ARTES, assim como a resolução de problemas. Assim, professora e alunos e alunas, temos procurado ser intervenientes, mesmo que o mesmo seja observado de forma inconveniente. Sempre trabalhei deste jeito, meio livre, mas que acredito, profundamente responsabilizante.

Sempre consegui incutir o sentido de estar em aula, mesmo fora da sala de aula – porque a sala de aula não oferece a dignidade mínima para nos sujeitarmos ao congelamento gradual em vez de intervirmos, de forma responsável, num outro local. Tenho orgulho das discussões e reflexões que, perante as dificuldades oferecidas, são suscitadas e não verifico qualquer tipo de alheamento ou irresponsabilidade por parte dos meus alunos, pelo contrário, co-responsabilizam-se na adequação dos objectivos do projecto educacional aos novos espaços encontrados.

Como as minhas intervenções de chamada de atenção ao facto da inexistência de condições nas salas que nos são oferecidas, em nada afectam o sentir e o estar do restante corpo docente, apesar de as Artes serem consideradas, na minha escola, uma área vocacional de oferta de qualidade, tenho-me disponibilizado por criar alternativas, dentro e fora do espaço escolar (tendo autorização dos Encarregados de Educação para o efeito).

A Educação Artística é, na essência, isso mesmo, observar, intervir criticamente, tirar conclusões e, por vezes até, incomodar as mentes mais acomodadas, talvez por isso seja tão mal compreendida. Talvez isso faça sobressair a ilitracia visual e cultural de alguém. Talvez seja só porque, numa cultura avaliativa que temos de penalização, seja difícil ver para além da ortodoxia e perceber que muito se faz, muito se aprende, muita é a Escola que os alunos e alunas levam para casa quando não é confinada à sobrevivência ou conveniência, mas sim à resistência e ao exercício de uma liberdade responsabilizante.

E com isso faz toda a diferença!!!
(por isso incomoda)
em vinte anos de ensino já tenho a oportunidade do feed-back dos meus alunos e alunas, quanto ao modo como tenho "vivido" a Escola, até hoje, tive sempre a oportunidade de ouvir à posteriori que, de algum modo, fiz a diferença. Essa tem sido a minha melhor gratificação como professora de Artes. Quando um aluno ou aluna me disser, "professora, ficamos a congelar na sala porque é mais conveniente" ficarei triste, preocupada e entederei que não faço, de todo mais sentido. Até lá, vejam-me no BAR, vejam-me como sou, vejam-me como quiserem, porque não me escondo,
e
porque também gosto de estar e trabalhar e disponibilizar aos meus alunos e alunas, condições mais cómodas, mesmo que incómodas, de trabalho.
e um pouco mais temperadas...por muitos arrepios que isso possa causar.
ter um pouco de Cultura é mesmo assim e seria tão mais fácil ser de outro jeito - Assim mais para o congelado.
bem hajam.

2 comentários:

Anónimo disse...

Senti um calafrio enorme quando li, por solidariedade acho que também congelei.
Ainda há PROFESSORES que vivem no mundo dos humanos e eu estava a precisar de encontar alguém assim.~
Arrepiante, mas verdadeiramente reconfortante.
Mais uma vez e desde mim... OBRIGADA

graça martins disse...

...e "desde mim" obrigada também.

como não vem identificada imagino que "desde aí" seja uma das minhas novas parceiras de debate da Formação. Agradeço o comentário, a visita, a solidariedade e tudo.
...e peço desculpas por me ter esquecido de ter dado um intervalo na última sessão...no desenrolar das tantas coisas que quero partilha convosco nem me lembrei do tempo...
beijinhos e obrigada,
graça