pisa nesta areia de pigmento azul eléctrico e escuta esta voz mar-íntima
A cantora Adriana Calcanhotto acaba de lançar o álbum "Maré", seu oitavo trabalho autoral. A artista o define como a segunda etapa de uma trilogia iniciada em "Maritimo" (1998).
Também baseado em temas do mar, "Maré" (2008) é um trabalho coeso, cujas faixas fluem homogeneamente no decorrer dos aproximadamente 35 minutos de seus 11 temas.
A artista recebeu a imprensa em um hotel da zona sul carioca nesta quarta-feira (16) para falar sobre o disco, que definiu metaforicamente como um espécime entre mulher e peixe.
Para a cantora, sua música representa o canto da sereia, devido à posição intermediária dentre as demais etapas da trilogia. Este perfil híbrido também abrange a sonoridade do disco, que oscila entre a tradição e a modernidade da música popular brasileira - por meio de reverências a luminares como Jards Macalé, Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Cazuza e Péricles Cavalcanti, ao mesmo tempo em que Calcanhotto dialoga com expoentes mais recentes, como Rodrigo Amarante (ex-Los Hermanos), Moreno Veloso e Kassin, entre outros.
A cantora comentou que a idéia para a segunda etapa da trilogia surgiu durante a própria elaboração do disco.
"Eu não pensei em fazer três álbuns correlatos quando concebi 'Maritimo'. Nunca paro para selecionar previamente o repertório dos discos, mas notei que a maioria das canções do novo álbum era novamente ligada ao mar. A partir desta observação, o conceito se revelou. O primeiro disco é mais explícito e aponta para um número maior de referências musicais. A meu ver, 'Maré' é um álbum mais condensado", compara.
Destacam-se no disco temas como "Para Lá" (de Arnaldo Antunes), "Sem Saída" (do concretista Augusto de Campos e seu filho Cid), "Teu Nome Mais Secreto" (poema de Waly Salomão musicado por Adriana) e "Porto Alegre", composição de Péricles Cavalcanti composta especialmente para a cantora.
Calcanhotto ressaltou conexões da canção com a obra clássica "Odisséia", de Homero.
"Essa música lida com coisas distintas. Pedi ao Péricles uma música e ele chamou-a de 'Porto Alegre' por minha causa, pois sou de lá. E a letra da música fala da chegada de Ulisses à ilha da ninfa Calypso no livro 'Odisséia', mas também cita o gênero musical calipso na levada do Kassin. Gosto muito de promover interseção entre ritmos", explica.
No disco, Calcanhotto é acompanhada por músicos veteranos como Bruno Medina (teclados), Alberto Continentino (baixo, guitarra e vocais), Domenico Lancellotti (bateria) e Marcelo Costa (bateria). O repertório que será apresentado na turnê do álbum não se restringe ao material do novo. Além de canções de seus demais lançamentos -- como "Vai Saber?" e uma versão diferente de "Asas" -- a cantora também incluirá dois temas que ainda não foram registrados em disco: "Nunca Se Esqueça" (composição de sua autoria) e "Poética do Eremita", um poema de Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007), artista ligada ao movimento surrealista.
A capa do disco traz um retrato da cantora, maquiada por Fúlvia Farolfi, italiana radicada em Nova York e profissional do ramo de moda."Maré" foi produzido por Arto Lindsay (ex-DNA e Ambitious Lovers) e pela própria Adriana Calcanhotto, que falou do processo de produção do disco. "Antes de tudo, sou fã da guitarra de Arto.
Mas como produtor, sua abordagem é praticamente invisível. Isso é um talento dele, pois Lindsay finge não estar conosco em estúdio e isso nos permite que esqueçamos de sua presença e isso se reflete no trabalho."
O álbum também mostra sua faceta de intérprete, nas releituras que promove de material alheio com a mesma personalidade que imprime a seus temas autorais. Assim como acontece em "Maritimo", a cantora relê canções de Caymmi e Cazuza, "Sargaço do Mar" e "Mulher Sem Razão", respectivamente -- mas também atenta a uma inusitada parceria de Caetano Veloso e o poeta Ferreira Goulart ("Onde Andarás").
Calcanhotto falou de seus critérios para essas escolhas.
"Eu não escolho autor e sim as canções. Acontece de eu ouvi-las no rádio e só depois vou saber quem é o autor.
Eu lido, sobretudo, com as canções e meu desejo de interpretá-las. Por exemplo, só resolvi gravar 'Mulher sem Razão' depois de ouvir uma versão demo da música na voz de Bebel Gilberto. Coisas assim também aconteceram com as próprias releituras que fiz no primeiro álbum da trilogia -- em 'Mais Feliz' e 'Quem vem pra beira do mar'.
Outro indício da predileção da cantora pela ambiência marítima coincide com as apresentações em Portugal logo no início da turnê do novo álbum, assim como aconteceu na turnê de promoção de "Maritimo" e "Adriana Partimpim" (2004).
Após uma rápida passagem pela Argentina no início de maio, a cantora segue para Portugal, onde fará nove shows antes de estrear o novo espetáculo em São Paulo, em temporada de 13 a 15 de junho. Ela falou de seu intercâmbio direto com a cultura portuguesa.
"Gosto muito do país e sempre me sinto muito bem em terras lusitanas. Aprecio os poetas em língua portuguesa e sempre volto de lá com novidades literárias na bagagem, pois minha apreciação musical sempre esteve ligada ao bom uso do idioma. Acho que começar as turnês por lá, de alguma forma, me ajuda a entender melhor os discos. E foi muito boa essa conjunção de fatores novamente ter acontecido", arrematou.
(O jornalista Marcus Marçal viajou ao Rio a convite da gravadora Sony BMG)
Sem comentários:
Enviar um comentário