terça-feira, fevereiro 13, 2007

...às vezes parece que alguém nos quer dizer alguma coisa...






“Olhos de águia”


“Quando acossado o animal ainda morde, ataca,
mas ela sempre só conseguia fugir…
era essa a plenitude da sua coragem,
memória de tempos alados…
Antes de se tornar

cadela.

Desistiu, por amor a um cão,

de ter asas.
Era tempo de criar ninhada
E só o amor tem esse poder.

Esse perder.

Na fuga, chegou por fim a um penhasco de serra.
Dois abismos,
Uma opção.

Ainda pensou no voo da única cria
Tinha a certeza que lhe tinha herdado o poder, o segredo das asas
mas saberia usá-lo?

A dúvida reteve-a noite e dia

e noite.

Mais noite que dia.
Até que ouviu a proximidade

do silvar das balas
Perseguidoras por despeito.

A transmutação trouxe-lhe o aguçar dos sentidos
Do olfacto

Tirou o aroma à aragem do vento e
Lançou-se.

A meio caminho ainda sentiu a presença, no dorso, das asas perdidas
Efeito de sugestão.

Era uma epifania,
ilusão criada pela própria vertigem da queda.

O chão chegou.
Implacável
Com a força da gravidade.

Ainda sorriu com o sabor do sangue quente na boca.

Tinha escolhido o abismo certo.

O outro estava cheio de encruzilhadas, armadilhas dos sentidos, sentimentos de culpa, obrigações, dúvidas, traições, imposições…
Iria tropeçar em mil obstáculos antes do fim.

Quem um dia teve asas
Não há melhor morte
Não há melhor sorte
Que o voo derradeiro no vazio.

Um bater de asas passou-lhe próximo do rosto
antes de se lançar em voo picado
Em direcção ao céu.

A cria
Sabia voar...

Nasceram-lhe então asas de luz
Deixou para traz os restos do animal desfeito.

Onde chegou
Só desejou uma coisa
(nunca tinha ambicionado muito):

Que lhe fossem dados
Olhos de águia.

Podia assim vigiar o sono e o voo da cria
Para sempre.
Aquele sempre que é tempo suficiente.
Só até aquele dia em que se pudessem juntar.
E ambas
Partir,
de novo,
para um outro céu.”

A.M.


1 comentário:

magarça disse...

Pelas iniciais não cheguei ao nome do autor de tão belo poema...